quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Partir est mourir un peu

Quando estás longe, continuas presente em mim. É uma presença que reveste as formas mais diversas: imagens incontáveis, passagens de livros, significações, coisas familiares, marcas na terra; mas o conjunto de tudo isso fica difuso pela realidade da tua ausência. É como se o teu ser se transformasse em lugar, os contornos do teu corpo em horizontes. Vivo portanto em ti como se vivesse num país. Tu existes em todo lado. Nesse país, contudo, nunca te poderei encontrar face a face.
Partir est mourir un peu. Era muito novo quando ouvi esta frase pela primeira vez e logo percebi que ela exprimia uma verdade que eu já sentia. Recordo-a agora, porque a experiência de viver em ti como num país onde é impossível encontrarmo-nos face a face parece-se com a experiência de viver com a recordação dos mortos. O que eu não sabia quando era novo é que nada elimina o passado: o passado vai crescendo gradualmente à nossa volta como placenta da morte.
No país que tu és, conheço os teus gestos, as entoações da tua voz, a forma de todas as partes do teu corpo. Fisicamente, não és menos real, mas és sem dúvida menos livre.
John Berger

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