sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Dia Seguinte

Chamo-me Dilma Rousseff e acaba de sair o resultado da eleição. O salão principal está repleto de paletós e falsos risos vadios. A imprensa se retirou e a festa começa quando o primeiro terno vai pelos ares. Vejo então um companheiro, aliado dos últimos tempos. Aliado político, digo. “É tudo nosso!”, gritam. E tem início uma chuva de roupas. Reconheço um a um os alicerces da campanha. Agora todos mais à vontade, desnudos, crus, desvencilhados de etiqueta, bárbaros, selvagens, desumanos humanos. Corro ao espelho e, por há muito ter aprendido a me ver na terceira pessoa, flagro tudo dobrado, sem saber o que percebia. A roupa sob medida, o broche de ouro no lugar do coração ou o laquê me endurecendo o cabelo, os gestos, os sentimentos e a vida? Havia pupilas dilatadas e a cara cheia de pó branco. “Puta vadia! vem cá!” Lavo o rosto. “Ele é meu parceiro.” Tudo desce pelo ralo. “A gente facilita umas pra vocês.” Incontrolável. “Cadê o pó?” Vozes se misturando. Agora já está feito e não se volta atrás. Descendo pelas escadas da mansão, há whisky, vodka importada, cocaína, whisky, conhaque, erva jamaicana. Vodka importada para boa relação com o exterior. Mais um pouco de pé dos vizinhos colombianos & mercado interno, pra valorizar o produto. E tudo vai se repetindo assim, agressivamente. Subitamente reconheço: há um ponto vermelho que vai se inflando e inflando e se aproxima. Ninguém reparou, mas agora parece um balão a ponto de estourar. Avisto o número 13 pintado na lateral e penso: cuidar da inflação, PIB, alianças etc e tal. Ou não. Nada aqui terá seus moldes arrumados por minhas mãos. Os trabalhadores de poder real estão em volta. Apenas manter a aparência, penso. Um pouco de pé deve ajudar, mas não existe maquiador aqui agora. Apenas tudo exposto. Exposto até por demais. Ministros desaparecendo em viciantes desertos brancos, jovens mulheres abraçadas a peças influentes do partido, depois montando, dançando, se despindo sobre eles. Armaram a festa na mansão. Os rivais políticos não poderiam aparecer. Hoje, nem amanhã e nem depois. O que foi que eu fiz? Tudo ficou assim abatido com toda a confusão do período eleitoral. E eu, que tanto corri, deixei para trás algo de tanta importância neste último passo. Como voltaria a minha vida ao lado do meu companheiro, se é preciso manter tanta aparência perante esse grande balão vermelho? Não se pode voltar atrás, recusar a verba da companhia. Por outro lado, como seguir adiante num caminho tão embolado para não se fazer entendido? Dúvida existencial da primeira presidente do país. Sei que sempre estarei pensando nele. Nas viagens, congressos, entrevistas, discursos, por trás da imagem de pedra feita estátua, lembrarei invariavelmente do meu fiel, primeiro e único grande amor, José Serra.

Vai, desce a página.












































Matheus Marins Alvares 17/9/10

Um comentário:

  1. Nossa Matheus! Você escreve muito bem! Sempre que possível acompanho o seu blog, mas não tive tempo ultimamente para postar um comentário. Suas postagens são muito originais e intrigantes, continue beneficiando as pessoas com seus textos de ricos conteúdos. Quando quiser pode visitar meus blogs também, aconselho o soprodeopiniao.blogspot.com este eu atualizo com frequência. Se cuida! Beijos!

    ResponderExcluir