terça-feira, 24 de agosto de 2010

Da próxima vez te trago um cigarro, que num dos tragos você cospe esse babaca.
E também um pouco de lágrima para degelar isso que se fez entre nós.

A você só tenho a oferecer o meu pior: esse músculo todo lascado e que não parte.
Vaso ruim não quebra mesmo, mas ninguém quer botar flor.
E, por esses vasos de sangue, fica exposto à flor da pele o martírio do músculo lascado se contorcendo no gelo.
O frio pode até conservá-lo das medidas do tempo,
mas o mantém incurável refém daquilo que não se mede.

Matheus Marins Alvares - 23/8/10

domingo, 15 de agosto de 2010

Um olhar embevecido, um sorriso? Um verso, quem sabe...

"Eu preciso acreditar na comunicação

não há melhor antídoto pra solidão
e é por isso que eu não fico satisfeito
em sentir o que eu sinto, se o que eu sinto fica só no meu peito
por mais que eu seja egoísta
aprendi a dividir as emoções, e os seus efeitos
sei que o mundo é um novelo, uma só corrente
posso vê-lo por seus belos elos transparentes
mudam cores e valores, mas tá tudo junto
por mais que eu saiba, eu ainda pergunto:

Tás a ver? A vida como ela é
Tás a ver? A vida como tem que ser
Tás a ver? A vida como a gente quer
Tás a ver? A vida pra gente viver

"...Já que a vida é feita de pequenos nadas..."

Tás a ver? a linha do horizonte
a levitar, a evitar que o céu se desmonte?
foi seguindo essa linha que notei
que o mar na verdade é uma ponte
atravessei-a e fui a outros litorais
e no começo eu reparei nas diferenças
mas com o tempo eu percebi, e cada vez percebo mais
como as vidas são iguais, muito mais do que se pensa
mudam as caras
mas todas podem ter as mesmas expressões
mudam as línguas, mas todas têm
suas palavras carinhosas e os seus calões
as orações e os deuses também variam
mas o alívio que eles trazem vem do mesmo lugar
mudam os olhos e tudo o que eles olham
mas quando molham, todos olham com o mesmo olhar
seja onde for, uma lágrima de dor
tem apenas um sabor e uma única aparência
a palavra saudade só existe em português
mas nunca faltam nomes se o assunto é ausência
solidão apavora, mas a nova amizade encoraja
e é por isso que a gente viaja
procurando um reencontro, uma descoberta
que compense a nossa mais recente despedida
nosso peito muitas vezes aperta, nossa rota é incerta
mas o que não é incerto na vida?

A vida é feita de pequenos nadas
que a gente saboreia mas não dá valor
um pensamento, uma palavra, uma risada
uma noite enluarada ou um sol a se pôr
um bom dia, um boa tarde, um por favor – simpatia é quase amor –
uma luz acendendo, uma barriga crescendo
uma criança nascendo, obrigado, Senhor
seja lá quem for o Senhor
seja lá quem for a Senhora
a quem quiser me ouvir, e a mim mesmo
preciso dizer tudo o que eu estou dizendo agora
preciso acreditar na comunicação
não há melhor antídoto pra solidão
e é por isso que eu não fico satisfeito
em sentir o que eu sinto, se o que eu sinto fica só no meu peito
por mais que eu seja egoísta
aprendi a dividir minhas derrotas, e minhas conquistas
nada disso me pertence
é tudo temporário no tapete voador do calendário
já que temos forças, pra somar e dividir
enquanto estivermos aqui
se me ouvires cantando, canta comigo
se me vires chorando, sorri."

Versos de Gabriel, o Pensador

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eu perdi a conta dos dias, acho que por não ter falado com você na maior parte deles. Períodos assim me parecem mesmo perdidos demais para conta. Conto contigo para quando a sua chegar ao fim, ao dez, quando minha alegria começa. Fico pensando, será que chega logo? Ando louco para chegar aí e sentir seu corpo caber entre meus braços, meu olhar caber dentro do seu...
Mas como contar? Primeiro, segundo, terceiro, quarto, copa, sala, lugares onde a procuro quando acordo. Cantos onde a vejo improvável na hora de dormir. Tão natural agir como se tudo já estivesse acontecendo. O sonho se estranha de ser sonho só.
Afinal, o que é uma diferença numérica perante o tamanho do que a gente sente?


Matheus Marins - 10/08/10

sábado, 7 de agosto de 2010

Confuso

- Oi amor, me paga uma bebida?
- Já? Acabo de chegar, agora não. - Além de que, paguei 35 reais por uma ice na outra casa.
- ... Vem sempre aqui?
- Primeira vez.
(silêncio).
- Você é tímido? Tão calado...
- É que foi você quem veio sentar aqui do meu lado, eu não tenho nada a dizer agora.
- Prazer, Monique.
- Rafael.
- Logo Rafael?
- ?
- Nome de um grande amor...
- O maior?
- O último. Aconteceu uma coisa horrível, não gosto nem de lembrar.
- Faz muito tempo?
- Dois dias.
(surpreso)
- ...conta mais...
- Não posso. Vai acabar com a minha noite. Só lembrar, só pensar já fico mal.
- O que aconteceu?
- Acredite, amor. Tem coisa que é melhor não saber.
- ...
- Vou levantar e ficar um pouco ali no bar. Daqui a pouco a gente se fala.
- E essa cicatriz no seu rosto?
(ela levanta, sai da pista).



Imunda
Travessa
Jogada
entre seus caprichos

O que fazes de mim, bandido?
Entregue
Perdida
Nua, fada dos seus sonhos. sa-fada por qualquer real

Meu maior ladrão
me batendo a todo instante
O meu coração.

Matheus Marins 07/8

domingo, 1 de agosto de 2010

100

Estrondo! Na primeira curva ouviu-se o desacordar dum piscar de olhos que durou tempo demais. Ele no chão, vestindo uma camisa branca com marcas que já acusavam certas aventuras da mesma noite; as pálpebras pesadas: lugar comum aos que prolongaram até essa hora da madrugada sua boemia de sexta. Seu companheiro o puxou de volta para o assento, e os poucos passageiros presentes notaram a cena fingindo normalidade. Logo passa, imaginaram. Para compensar o tamanho avantajado que roubava da camisa branca parte do seu lugar no banco, o companheiro cruzou seus braços com os do amigo caído, segurando firme para não acontecer de novo.
Daí prédio, sinal, pálpebra, quebra-mola, olho no celular, prédio, mola, árvore, pálpebra, chão: Estrondo! Como num ciclo de imagens e reações, a camisa branca, marota, querendo brincar, voltou ao chão do ônibus, mas dessa vez pra valer. Já foi de bruços e conquistando seu espaço na poça. O celular, que pendia numa das mãos, imitou o gesto do dono e também ficou jogado, imundo, boêmio, sonhador num chão que de sonhos nada conservava. Uns figurantes vieram levantá-lo e até tentaram sentá-lo num outro banco. O negócio é que algo acima dele, quem sabe a bebida desleal que lhe bateu de mal jeito nos devaneios, e a qual não negara sequer uma gota da cota de embriaguez oferecida. Quiçá o palhaço bêbado carregando-o no colo, brincando de ventríloquo. Ou a ex-camisa-branca, agora preta. Algo acima dele o quis de volta ao banco estreito e trapaceiro, junto de seu companheiro. Ele obedeceu: levantou e voltou como um monge, causando preocupação e apreensão aos outros passageiros. Atirou-se de volta ao seu lugar apoiado em seu companheiro tal e qual criança faz com ursinho de pelúcia na hora de dormir. Havia virado criança mesmo. É pena que a idade chega, o terminal também. Os passageiros se vão e ele logo volta a ser adulto. A camisa preta cobra sua candura de volta, e se algum segundo da viagem, que nem chegou a ser longa for lembrado, agora ele deverá estar procurando por sua moral num pote de iogurte. Ou não.

Matheus Marins - 31/07/2010