quinta-feira, 26 de maio de 2011

Reflexão de segunda


Segundas feiras sabem ser duras. Na garganta resiste um resto de perda, de álcool do final de semana. E o corpo já quase inerte segue adiante como que sem sentir o mundo batendo a cada passo. A cabeça, adormecida dos demônios da vida, é simples. Direta ao ponto. Na segunda não podemos com spam, com filas, com esperar pelo troco. É como um carro sem freio que queremos parar após tê-lo acelerado demais. Quase sem combustível, a gente tira o pé do acelerador e apenas assiste, torce para não bater em nada, para não incomodar nem ser incomodado. Depois, quando vamos parando, quando o dia vai terminando, talvez venha pequeno um impulso de movimento, ainda vagaroso, ainda preguiçoso, quase indiferente.

Matheus

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Busca Implacável

Amanhecia. E porque amanhecia ele precisava fazer tudo novamente: cheirar bem, vestir uma roupa limpa, não se atrasar para bater o cartão... Se ele não cumprira o dever estabelecido para a noite –dormir-, não importava. E não o cumpria há quatro dias. A sensação era de que não sonhava há séculos. Não conseguia sonhar, nem acordado. No apartamento agora vazio, vendo a cidade de São Paulo pelo 13º andar, olhava pela janela só pra ver se não achava um resto de sonho expulso por algum cidadão desnorteado pelo despertador. Depois, olhava janela abaixo por alguns minutos mas acabava concluindo: “saída pra covardes”. Fechava a cortina para abafar a realidade e ia preparar seu café. Muitó pó, água quase nenhuma. Ficava um líquido meio poroso, amargo independente de quanto açúcar colocava. É assim que ele gostava. Depois de uma dose dessas, molhava as mãos na água corrente e apertava os dedos gelados contra as pálpebras: “Eles jamais me derrubarão”. O gelado não estava só nos dedos, estava na alma e nada nem aquele café quente consegue esquentar.

Passa noite, dia, madrugada e a vida dele continua fora da órbita, imersa naquele caos, tão familiar. Levanta pesado para tentar viver mais um dia, nos olhos o disfarce de alegria.
Não agüentava o peso.
Anos se passaram enquanto ele tentou se encaixar. Começou a caçar um destino, importância demais para algum lugar suportar... Pretendia compensar o resto de vida.
Mas na mochila....Ele já sabia o que precisa levar. Pegou alguns clássicos, outros livros ainda não lidos. Não queria levar nada da sua vida antiga....Talvez levasse só as idéias. Levou 2 mudas de roupas, um casaco e algumas cuecas.

Ainda não podia supor para onde ia, nem quando ia voltar. Escreveu bem rápido um bilhete e prendeu na porta. Saiu, naquele horário habitual, no seu mundo ainda era dia.
Pegou o ipod queria uma música. Não escolheu nada. Não era bom com escolhas, nada parecia servir para aquele momento.
Desceu a Augusta hesitando se devia continuar, cogitou voltar correndo e se esconder debaixo das cobertas mas seu pensamento gritava ‘’você não pertence a este lugar’’
Chegou no ponto e o vento da madrugada batia nos seus cabelos, a cidade agora parecia tão diferente, parecia mais real.
Pegou o primeiro ônibus rumo ao aeroporto.



Matheus e Isabelle

domingo, 15 de maio de 2011

Um pedaço que falta

A única pista que eu tinha dele era o envelope com o endereço de Porto Alegre. Encontrara, entre as bagunças da sala, uma carta de 98 nunca respondida. E você imagina o que treze anos não fazem... Muito maior essa barreira temporal que a quilometragem infinda entre Rio de Janeiro e POA. E por falar assim, supõe-se que eu queira reencontrá-lo. Não sei. Nunca soube exatamente sobre nada na vida. Dou os passos como um carro em alta estrada pela noite: enxergo um par de metros à frente e vou atropelando o asfalto sem ver placa, sem querer chegar. Foi assim sem saber que, por uma linha me conduzindo no caminho ou só por mudar a rotina no feriado, comprei passagem para Porto Alegre e pedi a um amigo de lá um pouso para estes dias. O envelope na mala.
Do alto do avião vi um rio, mentiroso, que corria para o mar. Se fazia de manso mas não era. Também imaginei o clima, mentiroso. Um frio sem fim no primeiro passo fora do avião, apesar do sol. Mentiroso também eu, logo entendi a linha que me guiava. Torta de saudade. E eu sem responder uma carta. Ele deve ter ficado ferido e resolvido não enviar mais nada. Vai ver até me esqueceu.
Já hospedado, anotei no celular o residencial do meu amigo como "Casa". Nada mais justo. Saímos com um pessoal à noite do primeiro dia lá. Nada demais, com exceção ao caminho até um bar que visitamos. Bela cidade. Queria vê-la de dia também. Acho que só se conhece um lugar depois de presenciar suas formas às claras e às escuras. Assim, amanhecendo no prédio, deixei um bilhete e fui. Mesmo rumo, belezas, mas, não sei a partir de quando, me desvirtuei do caminho e dei na rua Manuel de Barros, quando era para ser Almirante Barroco. Por sorte carregava um mapa. E há de ser ridículo que, investigando os bolsos, descobri ter confundido o mapa com o envelope. Ainda mais ridículo o fato de que o endereço no envelope era da rua Manuel de Barros! Irreversível. A passos largos fui até o número 83 -do envelope. E hesitei, senti vergonha. Vi se ninguém passava pela rua e me apoiei no murinho da casa para espiar. Isso bastou para um mentiroso pastor alemão - era para ser dócil - do quintal ladrar ensandecido, tentando me atacar e despertando os cães da vizinhança toda, que despertavam suas respectivas vizinhanças da mesma forma. E assim parece que toda cidade ainda latia quando desci do táxi na porta do prédio do meu amigo. Subi aos sufocos para um banho. Limpo, menos assustado, deitei no sofá e cadê o meu celular? Provavelmente pela bagunça da mala. Do número de casa, liguei e esperei o som sair debaixo das roupas, talvez. O som não veio, mas chamava. Permaneci na linha até que
- Alô.
Reconheço instantaneamente a voz madura, meio grave, meio gasta do tempo, da vida. Gelado, não consigo responder.
- Alô, tem alguém? Achei este celular na rua, me ouve? Olha, gente, eu desligo.
Então respondo por reflexo, tremido de culpa.
- Papai, sou eu.



Matheus, 06/05/11

quarta-feira, 11 de maio de 2011

ect

Desculpe a demora em escrever. Mas te conhecendo a fundo como suspeito conhecer, sabia que você me esperaria com aquele velho otimismo quase clichê:
- "se já esperei por ele tanto, tanto, tanto, quer dizer que não vou ter que esperar mais muita coisa. quanto mais eu espero, menos eu vou ter que esperar. é."

Desculpe também essa língua solta, meio sincera demais. As palavras devem chegar aí suadas de tanto correr, que elas estão anos atrasadas.

Mas olha, achava que te esquecia com o tempo. Que nosso amor seria como um sol se pondo, bonito de doer, porém efêmero e abrindo as portas para a escuridão. Por isso quis congelar o pôr do sol e guardá-lo no bolso assim como estava: lindo, inofensivo. Talvez agora lendo você ria, divertida, lembrando do meu medo do escuro quando eu pedia para deixar uma brecha da porta aberta vazando luz pra dentro do quarto enquanto a gente dormia. Talvez não. O que importa é que, depois de tanto sol se pondo, estou pronto para tirar esse amor do bolso e encarar a noite contigo. Daí amanheceres e tudo cíclico, que quando chover também vou estar do teu lado, ardido dos sóis e das bebidas fortes da sua terra.

A sua falta me deixou um pouco tonto... ou talvez tenha sido o rum. Penso que posso estar escrevendo tudo isso em vão. Quiçá minha letra não esteja mais no seu alfabeto e você já não entenda quando balbucio saudades sem condições. Meu sentimento pode estar banido do seu vocabulário, assim como eu, que porventura você não tenha conseguido parar de esquecer desde que fui embora. Esse coração míope de quem não enxerga futuro em nada provavelmente não me tenha perdoado.

Seja como for, como anda você? A imaginação prega peças na gente. Às vezes penso cada coisa...
Seja como for, eu volto logo, me espera. Chego pouquinho depois desta!

Foi numa sala de ECT do Rio de Janeiro que jazia mais uma carta que, em tempos de e-mail e sms, voltou e rebateu nas mãos sujas de carimbo de um funcionário curioso fazendo hora extra. Amassada, atrasada, descuidada, suada, duvidosa com palavras que não paravam de correr.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tarifa: R$ 2,50

¬¬

- Meu protesto contra o preço do transporte municipal sempre foi ir a pé. Mas vou separar a minha onça: amanhã pego o ônibus. Só que falei: se o cara tiver o troco, eu não passo da roleta. Fazer o que? A nota de 50 é bonita, meu jeito cretino de contestar. Além de que, se eu passar a pegar ônibus agora, as empresas vão poder contar que uma pessoa a mais passou a usar o transporte depois do aumento no preço. Deixar de usar por causa de 20 centavos, ninguém vai. E aí vai que elas resolvem apostar na ideia da soma? Se aumentarem a passasgem pra 3 reais, por exemplo, vão ter de inventar uma nota de 60 pra poder castigar mais o trocador por alguma passividade do governo. Então prefiro não pegar ônibus por agora. Não, não acho isso bonito, mas é que não é só a gasolina que anda cara, o álcool também. E, como você sabe, tem que sobrar um trocado pra cerveja no final de semana. Tô andando muito! Baratinho. Levando em conta as geladas todas, faço mais de 30 km/litro. Não tem 1.0 que me peite em questão de economia.
Tava falando do que mesmo? Ah, a passagem. Mas, lembrei, a minha bolsa atrasou, mal tenho nota de 2. Foi mal. Mas pro final de semana já deve ter caído, a bolsa. Chega lá no bar, vou de onça.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Cada madrugada quieta e nublada tem o sabor do coração de quem a vive
E se tanta nuvem sufoca, alguma Falta te engasgou. Falta não desce só.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Vitória?



Comemorar a morte de um ser humano me parece um tanto indigesto
Mesmo sendo a morte de um indigesto, ainda me parece um tanto desumano tudo isso.


Talvez eu não seja capaz de entender mesmo o que é isso, afinal eles é que foram afetados.
Essa euforia toda não desce. Nem a história do corpo que ninguém viu.

domingo, 1 de maio de 2011

Primeiro de maio


Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhar do seu ventre
O homem de amanhã
Chico