segunda-feira, 26 de abril de 2010

Um tempo que jamais vou esquecer

Escrever me permite recordar, reavivar, pegar o passado descolorido pelas camadas de tempo e retocar na memória a lembrança do que partiu, mas que ficou aqui guardado a tantas chaves quanto a porta de um coração pode conter. Por isso, durante uma madrugada tão profusa, cheia de si, me sento à escrivaninha e acendo o velho lampião que sempre com sua luz acompanhou a graça que vinha de você nas noites banhadas a músicas, histórias, risos e nossos corpos a desenhar em nuances na parede os moldes de um amor sincero.
Escrevo-lhe desconfiado que não vá ler se eu deixar esta carta com flores em cima de uma caixa de mármore. Mas o dia do seu aniversário chegou e resolvi me mudar, em pensamento, para a data da última vez que sopramos juntos a sua velinha, que só contava “27”: um tempo que jamais vou esquecer.
Nos meus olhos posso ver: Carne seca desfiada com aipim, salada, bolo de chocolate. Preparei tudo para você que vinha do trabalho exausta. Vou deixar escondido e fazer que estou dormindo. Você sentará no sofá, retirará o salto, esticará os pés castigados pela correria no serviço, se acomodará e ligará a tevê sem prestar muita atenção no que faz. 5 minutos depois você desliga o aparelho, possessa por não haver na telinha coisa que preste. Daí permanece outros 5 minutos na frente da geladeira e, ainda agitada, termina a jarra de mate que preparei na semana passada. Vai tomar um banho, escovar os dentes e cair do meu lado. Eu nem me movo e sequer respiro. Você não fala comigo e dorme triste, sabendo que a idade vai bater de novo. Quando percebo que silenciou, levanto da cama e arrumo tudo. Retiro a carne seca do forno, pego o bolo e a salada no vizinho, arrumo mesa, pratos, vinho e o mais importante: a vela. Ligo todos os despertadores para meia noite, coloco um chapéu engraçado e espero o dia seguinte. Quando começa a barulheira que te acorda, você salta da cama e estou na cozinha, onde te espero com os reloginhos atacados. Entra descabelada e com cara de ódio, expressão que muda numa fração de segundo, no que fica surpresa com tudo. Diz que não sabe o que dizer, está feliz. Estamos.
A noite segue como esperado: comida, bebida, risos, música, beijos, histórias, vizinhos reclamando. Acendo a vela e cantamos uma marchinha de comemoração. Você pede para apagá-la junto. Faço um pedido: que essa noite se repita todos os anos.
Dormimos juntos no sofá e, no dia seguinte, você me coloca a culpa por ter servido tanto vinho, que trabalhou de ressaca e nem conseguiu segurar um chope com a turma para comemorar. Acho graça.
Volto para o dia de hoje, 1 ano depois do seu dia. Vou preparar os mesmos pratos e tentar repetir a noite, ver se meu desejo se realiza: Carne seca desfiada com aipim, salada, bolo de chocolate. Mas no recheio só tem saudade. A garganta deu nó e a carne seca não desce. Errei na pimenta e faltou você reclamando estar a ponto de cuspir fogo. Tudo desandando e vou me deitar. A luz do velho lampião pela primeira vez vacila em sair, trabalhando em saudade.
“Parabéns pra você
Nessa data querida
Muitas felicidades
Muitos anos de vida.
Pois cheia de vida continuará sempre na minha lembrança.
Tudo o que eu queria era sua presença, mas o seguimento da história se provou mais poderoso do que qualquer pretensioso querer.
Receba os beijos de quem tanto te ama.”
Parabéns, Cecília dos anjos!

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